Entrevista ao Jornal Setenta e Quatro

“NÃO SE PODE DEIXAR UMA PESSOA FAZER UMA DENÚNCIA DE VIOLÊNCIA SEXUAL E DEIXÁ-LA ENTREGUE A SI PRÓPRIA”

O reconhecimento por parte das vítimas é um processo doloroso. Envolve fenómenos de culpabilização, estigmatização social e até vergonha. Não deixando de reconhecer o acompanhamento terapêutico como essencial, o psicanalista critica o facto de as recomendações e as comissões que defendem a prevenção do abuso terem um papel muito pequeno,“pois as vítimas não estão verdadeiramente protegidas”.

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Angústia de Morte e Confinamento

Manter o outro no lugar do desejo e não do medo

A pandemia do Covid 19 e o confinamento obrigatório têm levantado inúmeras questões psicológicas e sintomatológicas que vão desde estados depressivos a irritabilidade, de obsessões hipocondríacas a uma moralidade punitiva face aos que não cumprem as regras do confinamento que não parece ser mais do que o desejo primitivo da proteção e sobrevivência da comunidade face a uma ameaça de aniquilamento ou desagregação social. Perante os vários sintomas, cada um tem encontrado diferentes maneiras de gerir o seu quotidiano seguindo os conselhos à la carte publicados todos os dias online ou na televisão ou melhor ainda confrontando-se consigo mesmo na solidão ou no espaço contíguo da relação. As relações e a separação do outro surgem agora com outro significado. Por um lado, as relações que sobrevivem à epidemia parecem ser as que nós realmente desejamos ou se têm constituído como suportes do nosso Eu face a uma realidade externa instável e neste momento ameaçadora. Outras relações surgem no mundo interno como resquícios do que já foram, evocam lembranças distantes, obviamente afetivas, algumas de sabor amargo mas na maioria dos casos com um sabor agridoce, objetos de lutos mal resolvidos, familiares que perdemos o contacto ou pessoas com quem simplesmente deixamos de compartir a nossa vida mas em que em um determinado momento foram importantes e significativas.

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Narcisismo Maligno e Violência na Relação

No início da década de 50 do século passado, as audiências femininas vibraram com Stanley Kowalsky, o personagem interpretado por Marlon Brando no filme Um Eléctrico Chamado Desejo realizado por Elia Kazan e baseado na peça homónima de Tennessee Williams. O protagonista deixava de ser o herói romântico galanteador para ser um homem bruto, alcoólico, capaz de agredir a mulher para depois implorar pelo seu amor. A relação física e emocionalmente abusiva é tolerada pela sua componente erótica, o poder manipulador e animalesco de Stanley conduz Stella à irresistibilidade do ato sexual e à submissão.

O personagem de Brando marcou toda uma geração e reforçou um arquétipo socialmente permitido do poder discricionário do homem face à mulher na relação íntima. O desejo masculino/feminino heterossexual confundiu-se com uma ideia de posse/submissão transformando a mulher num objeto dependente suscetível de ser violentado para poder usufruir do prazer último da sexualidade, ficar à mercê do parceiro dominador.

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Relação, Arte, Resistência e Adesão

Uma das questões mais presentes no contexto da terapia quer individual quer de casal é a pergunta: Afinal quem é esta pessoa com quem eu tento relacionar-me e muitas vezes não compreendo, que me leva por vezes a sentir atraído, por vezes frustrado e a questionar sobre quem sou e porque estou nesta relação?

Recentemente participei num seminário de artes performativas, o Seminário Nómada orientado por Rui Mourão e Telma João Santos na Galeria Hangar. Em dado momento pedia-se para olhar uma pessoa desconhecida nos olhos durante um minuto sem nada dizer. Aquele exercício bastante simples acabou por me suscitar diferentes questões sobre a dinâmica interna despoletada pelo olhar do outro que variavam entre a consciência de mim próprio e a tentativa de leitura ou mesmo de fantasia sobre quem seria afinal aquele outro desconhecido. O que estava a acontecer, ali mesmo, quando dois olhares se cruzam no meio do mundo? Para além destes fenómenos aparentemente conscientes, uma outra panóplia de sensações, ideias ou emoções surgiam sem controlo ou explicação. Aquele olhar íntimo do outro desconhecido desencadeava uma resposta emocional e momentos vários necessariamente reveladores de mim próprio mas também possivelmente universais.12419142_225192611174790_8681540504518902053_o

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Narcisismo e a Impossibilidade do Amor

Muitas pessoas recorrem à terapia por se sentirem sozinhas ou incapazes de encontrar alguém para estabelecer uma relação amorosa. Outras assumem que não desejam estar em relação, não acreditam no amor, ou investiram em relações que as deixaram ainda mais frustradas e desacreditadas na possibilidade de amar alguém. Um jovem paciente chegou-me mesmo a dizer que não sabia o que era o amor já que nunca tinha estado apaixonado e agora numa tentativa de relação não sabia como identificar o sentimento amoroso.

Num mundo pautado pelo individualismo, competitividade e pelo sucesso profissional, o Outro surge muitas vezes como acessório ou para cumprir uma função do Eu. As pessoas procuram outras para não sentir a solidão, para confirmar a sua verdade, para ter sexo, para ser admiradas, para ter poder e ser objecto de inveja dos demais, para dormir acompanhadas, para não sentir angústia, para imaginar que têm uma relação.

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A Dominação Masculina

As questões do género parecem ter caído em estereótipos que as pessoas recusam por considerar que o domínio do masculino de alguma forma já terminou ou já não é determinante nas escolhas individuais. Homens e mulheres nos dias de hoje ainda agem consciente ou inconscientemente segundo uma estrutura social organizada sob o primado do masculino. Pierre Bourdieu, na obra A Dominação Masculina, publicada em 1998, desmonta de forma complexa e fascinante esta mesma estrutura. Apesar das mudanças resultantes dos movimentos feministas, das políticas na área da igualdade e dos estudos académicos na área do género, mulheres e homens estão actualmente mais confrontados não só com o seu papel de género como também com as expectativas do papel do outro.

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São os casais gay mais felizes que os heterossexuais?

Um estudo publicado pela Open University (Grã-Bretanha) em Janeiro deste ano revelava que os casais gay tendem a ser mais felizes e mais positivos sobre os seus relacionamentos que os casais heterossexuais. No entanto, de acordo com o mesmo estudo, os casais gay estão menos predispostos a mostrar sinais de afecto em público, como por exemplo, andar de mãos dadas, por temer a desaprovação social.

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Crise no casal: o espaço do Eu e do Outro

As crises na relação são invariavelmente pontuadas pelo ataque ao Outro. De alguma maneira o Eu sente-se ameaçado, angustiado; as expectativas que coloca no Outro estão comprometidas. O investimento na pessoa amada é o investimento num espaço outrora preenchido – o Eu imagina o que o Outro pode ser ou já foi e que por agora deixou de ser, ou seja a relação procura sempre satisfazer as necessidades do Eu.

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O Passado e A Separação

O Passado, filme mais recente do realizador iraniano Asghar Farhadid, surge na continuidade do seu filme anterior, A Separação, voltando a tratar com enorme acuidade e densidade psicológica as temáticas inerentes à separação e neste caso ao período pós-separação. A acção do filme decorre nos subúrbios de Paris com a visita do iraniano Ahmad à sua mulher francesa Marie, após 4 anos de separação, com o intuito de assinarem o divórcio. Ahmad encontra Marie vulnerável, temerosa, envolvida numa nova relação que arrasta consigo um drama familiar repleto de segredos, dúvidas e rivalidades entre pais, filhos e os seus “substitutos”.

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