Um estudo publicado pela Open University (Grã-Bretanha) em Janeiro deste ano revelava que os casais gay tendem a ser mais felizes e mais positivos sobre os seus relacionamentos que os casais heterossexuais. No entanto, de acordo com o mesmo estudo, os casais gay estão menos predispostos a mostrar sinais de afecto em público, como por exemplo, andar de mãos dadas, por temer a desaprovação social.
Não sei se estes resultados se aplicariam à realidade portuguesa uma vez que a questão da aceitação social da homossexualidade permanece como um factor relevante na aceitação da homossexualidade pelos próprios homossexuais e a forma como a homofobia internalizada, ou seja a fobia, o medo irracional (consciente ou inconsciente) de ser homossexual, se torna ou não, um obstáculo à funcionalidade das relações entre pessoas do mesmo sexo.
A convicção que as relações gay são inerentemente disfuncionais é também resultado do preconceito social. No seu ensaio sobre relações de amor e compromisso entre homens, Amor que se faz homem, Henrique Monteiro aponta duas razões socialmente difundidas que ilustram este preconceito: “o homem não é geneticamente compatível com o compromisso e os actuais e mais comuns modos de relacionamento entre homens não favorecem a criação de histórias significativas”.
A primeira refere-se a uma crença evolucionista de que o homem está programado geneticamente para espalhar a semente e como tal está mais volúvel aos instintos e à testosterona. A segunda, decorrente da primeira, baseia-se na dificuldade dos homens entre si garantirem a exclusividade sexual, o que poderia impedir o compromisso a longo prazo e um modelo de relação monogâmico.
Segundo Foucault (1976), o modelo monogâmico, que conjuga casamento e sexualidade era regido até ao século XVIII por três grandes códigos: direito canónico, pastoral cristã e lei civil. Estes fixavam a partilha entre o lícito e o ilícito e estavam centrados nas relações matrimoniais e na capacidade para as cumprir. O século XIX e XX foram a idade da multiplicação e dispersão das sexualidades, um reforço das suas formas diversas e a implantação múltipla das “perversões”. De acordo com o mesmo autor, esta heterogeneidade sexual teve como consequência um movimento centrífugo relativamente à monogamia heterossexual, tendendo a funcionar como norma silenciosa: o casal legítimo, com a sua sexualidade regular tem direito a maior descrição. O que se interroga é a sexualidade das crianças, dos loucos, dos criminosos, dos que não gostam do outro sexo. O avanço social destas figuras como os homossexuais não implica menor condenação, mas são mais escutadas. Segundo Foucault, interroga-se a sexualidade regular a partir dessas sexualidades periféricas.
Justamente, os casais homossexuais têm sido pioneiros na procura de soluções mais funcionais no que diz respeito à conciliação do vínculo afectivo e da exclusividade (ou não) sexual que os casais heterossexuais, em que a não-exclusividade sexual acaba por ser um assunto tabu ou socialmente estigmatizante, o que tem resultado na proliferação de situações de infidelidade, insatisfação sexual ou perda do desejo como razões frequentes das crises do casal e motivo de separação.
Muitos casais homossexuais negoceiam claramente desde o início da relação ou durante a mesma a exclusividade sexual, separando de forma informada e consentida os aspectos emocionais tais como o compromisso e o vínculo, e os aspectos instrumentais ligados ao sexo e ao prazer (Pereira, 2012).
Mas nem tudo é um mar de rosas nas relações homossexuais. Um dos aspectos mais impactantes no estabelecimento de uma relação baseada no amor e no compromisso entre pessoas do mesmo sexo é a homofobia interna e externa. Mesmo quando se legaliza o casamento entre pessoas do mesmo sexo e se discute a adopção ou coadopção por casais homossexuais, é visível o tom e o discurso, ora marcadamente homofóbicos, ora subtilmente se diz aceitar os homossexuais, mas não lhes querer conceder determinados direitos, sugerindo regimes especiais que naturalmente escondem formas obtusas de discriminação social.
A homofobia da sociedade repercute-se de forma mais gravosa na estrutura interna do indivíduo e nas estratégias defensivas com que se desvincula da norma social sob formas sub-reptícias de agressão contra si próprio e contra o outro. A falta de aceitação plena a nível social e familiar tem um impacto profundo na auto-estima das pessoas homossexuais e na guetização destes grupos promovendo por vezes um estilo de vida e sexualidade vistos pela sociedade heteronormativa como perverso ou promíscuo ou demasiado folclórico. Na verdade, se alguns destes estereótipos correspondem mais uma vez a formas mascaradas de homofobia social, a formação identitária e da personalidade das pessoas homossexuais visa também responder e reparar sentimentos de vergonha, culpa e exclusão, inculcados socialmente, muitas vezes em detrimento do seu bem-estar interno e relacional, mas nem sempre.
Falar numa sexualidade polimorfa no comportamento dos homossexuais, relações abertas/fechadas, negociadas e consentidas, ou em identidades híbridas no que diz respeito ao papel do género, é dificilmente tolerável pela sociedade porque estas são precisamente as questões mais problemáticas para os casais heterossexuais, que ameaçam a organização social heteronormativa assente no núcleo monogâmico, na separação dos papéis masculino e feminino, na exclusividade sexual e no casamento por amor e para a vida. Neste sentido, os casais gay dispõem de uma mais-valia para gerir com maior eficácia a sexualidade do casal e os aspectos vinculativos e emocionais da relação, que se poderão traduzir numa maior satisfação conjugal.
Tal como o estudo referido existem outros estudos que procuram compreender o que diferencia, protege ou desfavorece as relações gays em oposição às relações heterossexuais. Segundo McWhirter e Mattison, “os casais heterossexuais não têm de lidar com questões sobre papéis sociais, finanças, posses e obrigações socias da mesma forma que os gays. Os casais heterossexuais não estão preocupados com a aceitação das suas famílias mútuas, ao passo que esta é a regra para os casais homossexuais. Os casais heterossexuais vivem na expectativa de que as suas relações são para durar “até que a morte os separe”, enquanto que os casais gay se perguntam se os seus relacionamentos poderão sobreviver…”
Paradoxalmente, a necessidade dos casais gay enfrentarem a adversidade social e procurarem responder às questões da negociação da relação de alguma forma mais libertos do modelo heteronormativo, tem permitido encontrar soluções que parecem responder de forma mais eficaz aos problemas actualmente colocados pelas relações heterossexuais. A construção de um modelo de relação adaptável às necessidades e características identitárias de cada indivíduo parece estar na raíz duma relação mais autêntica e como tal, mais feliz.
Referências
Pereira, H. (2012). Amor que se faz homem: Ensaio sobre as relações de amor e compromisso entre homens. Lisboa: Gradiva Publicações.
Foucault, M. (1994). História da Sexualidade. 1. A vontade de saber. (Tamen, P., Tradução). Lisboa: Relógio D’ Água Editores (versão original publicada em 1976).