Com o título provocatório Como Pensar Mais Sobre Sexo, o filósofo Alain de Botton oferece nesta sua última obra uma abordagem controversa de questões tão essenciais como conciliar o desejo sexual com a vida marital ou encarar o adultério não como uma traição imperdoável mas com alguma condescendência e brandura.
Botton considera que apesar da inundação de informação sobre sexo, do acesso facilitado à pornografia através da internet ou mesmo da aparente liberalização dos costumes, as pessoas continuam a ter uma relação difícil com a sexualidade, por vezes dolorosa, perseguida por sentimentos de culpa, neuroses e fobias. A ideia duma sexualidade encarada de forma alegre e descontraída, sem obsessões e medos, em que não nos sentimos aquém da experiência do outro, ainda parece pouco compatível com uma série de regras e ideias socialmente sancionadas que regem a forma como as pessoas pensam e vivem a sexualidade.
Este lado indisciplinado, rebelde e transgressor da sexualidade não encerra nada de novo se o olharmos numa perspectiva histórica sob a forma como os vários modelos sociais e religiosos têm tentado “domar” o impulso sexual ou mesmo como refere Foucault na sua História da Sexualidade em que o controlo dos comportamentos sexuais forma parte de mecanismos intricados de poder e controlo de determinados grupos de forma a ser privilegiado o grupo dominante e os valores sócio-económicos por si defendidos. Foucault refere como exemplos, o controlo da sexualidade dos jovens e adolescentes, o controlo médico do corpo da mulher e da sua capacidade reprodutiva e até a patologização das chamadas perversões sexuais. Para Botton, “o sexo não é democrático ou gentil na sua essência; está imbuído de crueldade, transgressão e desejo de subjugação e humilhação. “ Por estas razões torna-se complexo compatibilizá-lo com a maioria das nossas ambições sociais e com a imagem interna que procuramos garantir perante os outros.
No que diz respeito à relação entre a sexualidade e o amor, Botton despende considerável atenção aos problemas da sexualidade com os parceiros de longa data e a forma determinante como os aspectos emocionais, logísticos ou financeiros da relação acabam frequentemente por minar o erotismo do casal e abrir espaço para o desejo de aventuras imaginárias ou concretizadas com um colega de trabalho ou mesmo o refúgio em sites pornográficos e o consequente desligamento do parceiro em termos eróticos.
Para este autor não há propriamente uma solução para a maioria dos dilemas que o sexo nos cria, sendo de maior utilidade gerir e aceitar os sentimentos contraditórios que provoca e compreender que, à semelhança da felicidade, ter excelentes relações sexuais com o parceiro de longa data poderá ser mais a excepção do que a norma.
É particularmente pertinente a forma como Botton analisa a questão da traição na relação. O autor questiona se será assim tão surpreendente que ao fim de uma década de relação se tenha vontade de ter sexo com outra pessoa. Botton ironiza e considera que os traídos deveriam ser os primeiros a pedir desculpa “por serem eles próprios, por envelhecerem, desculpa por serem às vezes maçadores, desculpa por obrigarem os parceiros a mentir subindo a fasquia da sinceridade a um nível proibitivamente alto e (já agora) desculpa por serem humanos”. Botton contrapõe que existem outras formas de trair o parceiro que embora a sociedade não sancione de forma tão impiedosa, são igualmente poderosas: a recusa ao diálogo, o andar “distraído”, de mau-humor ou simplesmente deixar de evoluir ou de encantar.
De facto, a criatividade na relação, a capacidade de surpreender o parceiro e de poder partilhar com este o que nos vai na alma é um precioso néctar da relação que pode não afastar as fantasias sexuais mas coloca-as num espaço mental que fica necessariamente desempoderado se estivermos a referir a pessoas que funcionem num quadro mental saudável. A procura de validação externa através da constante sedução do outro já se enquadra num funcionamento patológico em que a sexualidade e o desejo adquirem outras funções mais defensivas do eu.
Ainda a este propósito, Botton questiona a viabilidade do conceito do casamento moderno, em que uma pessoa pode esperar ser a solução emocional e sexual eterna, capaz de preencher todas as necessidades da outra. Mais uma vez Botton recorre à uma argumentação de base histórica para concluir que atravessamos uma época em que pela primeira vez procuramos congregar necessidades tão distintas como o amor, o sexo e a família no casamento. Aproximando-se da visão de Foucault, Botton considera que este conceito de casamento teve origem nas expectativas de vida da classe burguesa que já não teria tempo nem dinheiro para extravagâncias amorosas e períodos de ócio irrestritos, próprios das classes mais altas que permitiam uma separação clara entre a família e as aventuras sexuais e amorosas extra-conjugais. A moral vitoriana e o período Romântico vieram concorrer para reforçar esta ideia dum casamento em que o desejo de uma família segura é conciliado com os sentimentos amorosos pelo parceiro(a). O século XX acrescentou a necessidade duma sexualidade funcional para o modelo de relação actual.
Botton sublinha que o ideal burguês não é totalmente ilusório, ou seja que existem casais que poderão conciliar as vertentes romântica, erótica e familiar da relação, mas estão longe de ser em número prevalecente. O erro acaba por ser a idealização do casamento como solução para todos os nossos desejos e o adultério, como o antídoto que permite por magia, consertar todas as falhas do casamento. Na verdade, o envolvimento com outra pessoa quando se está casado coloca em causa todo o projecto relacional como também é impossível permanecer fiel ao casamento sem sentir que se perdem alguns prazeres sensoriais e liberdade individual.
Para resolver as tensões do casamento, Botton propõe de forma irónica o reconhecimento de votos cautelosos e pessimistas como “prometo desiludir-me contigo e só contigo, prometo fazer de ti o repositório dos meus pesares, em vez de os distribuir por vários casos extra-conjugais e por uma vida de Don Juanismo sexual; analisei as diferentes opções para ser infeliz e foi contigo que escolhi comprometer-me.”
Perante a vigência dum quadro moral e social que impute ao casamento tantos deveres, obrigações e expectativas, a capacidade de duas pessoas desenharem um compromisso em que tanto existe espaço para o erro como espaço para a lealdade e honestidade para com o outro, acaba por ser uma forma de aceitação de nós próprios e das nossas contradições. Neste sentido Botton sublinha que a fidelidade é uma forma de renúncia louvável, e não uma norma banal, porque esta implica uma imensa contenção e generosidade entre as duas partes.
Referências:
Botton, A. (2013). Como Pensar Mais Sobre Sexo. Lisboa: Lua de Papel
Foucault, M. (1994). História da Sexualidade – I, A Vontade de Saber (Vol. I, 2ªed.). Lisboa: Relógio de Água, 1994 (v.o. Paris: Edtions Galllimard, 1976)