Restless, Redenção

A palavra Restless que dá título ao último filme de Gus Van Sant é difícil de traduzir em português, embora a tradução oficial do filme optasse por Inquietos numa derivação correcta de Inquietude ou Inquietação. Inabilidade para estar parado, agitação e movimento  permanente, sem nunca conseguir realmente repousar. De facto, Restless retrata na perfeição o estado interno quase constante dos adolescentes, mesmo quando estes aparentam estar mergulhados no mais profundo e subaquático dos mundos, alheados de toda a realidade excepto aquela que tem significado na construção das suas ilusões.

A adolescência é muitas vezes sentida pelos pais como um período penoso, de difícil entendimento, em que os adolescentes ziguezagueiam o controlo dos pais e surpreendem-nos com a mais destemida loucura ou doce gesto de afecto. Apesar do desconforto que sentimos, nós, os adultos, invejamos em grande medida os adolescentes. O seu lado pueril, a força bruta criativa, a ingenuidade desconcertante, a capacidade de acreditar no futuro e sobretudo, sobretudo a descoberta encantatória do amor.

Neste filme imperdível sobre a perda, Gus Van Sant mostra-nos dois adolescentes à procura de a resolver, encontrando nos velórios, nos locais de ritualização da morte ou na sua encenação, uma forma rebelde e criativa de negarem a evidência da sua realidade. Enoch perdeu os pais num acidente de viação em que ele ficou em coma não podendo testemunhar nem ritualizar a morte destes e Annabel sofre de um cancro com um prognóstico de três meses de vida. Tanto num caso como noutro, as figuras primordiais desapareceram ou estão completamente ausentes, como a mãe de Annabel.

Apesar de haver adultos por perto que os amam e tentam protege-los, Enoch e Annabel sentem-se profundamente sozinhos e desamparados no cenário árido da América de Portland. Curiosamente, um filme absolutamente comovente que traz de novo a relação amorosa ao centro do discurso cinematográfico, foi recebido de forma indiferente na América. Através da relação amorosa entre Enoch e Annabel surge a resolução da perda, o amor é redentor da sua (aparente) morte.

Sorrimos com os encontros de Enoch e Annabel, com a sua astúcia e autenticidade, interpretados com enorme sofisticação e realismo por Henry Hopper e Mia Wasikowska. Maravilhamo-nos com o imaginário adolescente, com o fantasma kamikaze amigo de Enoch, com a poesia das imagens de Van Sant, cuja paleta outonal reflecte os afectos encarcerados dos dois miúdos que explodem de forma inebriante na descoberta do amor.

Quando entram em contacto com os afectos, Enoch e Annabel não conseguem tolerar a raiva inerente à perda iminente do outro e dos sentimentos implícitos às suas próprias perdas, anteriores ao seu encontro, reveladas de forma inesperada pelo catalisador da paixão.

A raiva intolerável, a inquietude irrequieta e permanente, dão então lugar à aceitação. A uma aceitação da perda que só faz sentido porque é redentora, porque nos mostra internamente que o único sentido possível para a sobrevivência à morte é o significado afectivo da relação. Tal como no filme, a redenção da perda traz para junto de nós, outra vez, quem nós mais gostamos e quem gosta de nós e reorganiza o nosso real de forma mais significativa.

Apesar de Annabel morrer, Enoch já não está sozinho. Está acompanhado pelos outros e pelo amor de Annabel. Quando discursa na cerimónia fúnebre que ele tão bem preparou, nada consegue dizer… Não é preciso, todos percebemos que em certos momentos, não conseguir falar, tem mais significado que qualquer palavra.

1 thought on “Restless, Redenção

  1. O filme é absolutamente delicado, tratar a morte desta maneira, com tal subtileza e delicadeza é um achado. Reintegra-nos no ciclo da natureza, a darwinista Annabel, olha para si, como fazendo parte de um corpo maior, em evolução constante. As palavras
    têm pouco poder neste filme, se comparadas com o olhar e com a capacidade que os adolescentes possuem de se encenarem. “Não conseguir falar tem mais significado do que qualquer palavra” _ é voltar ao chão puro das emoções, antes de sabermos falar, já as emoções nos possuem!

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