“…Ele faz-me constantemente sentir que me ama mais do que eu a ele. Faz uma cena de ciúmes se eu olho para outro homem, quer ver as mensagens no meu telemóvel, telefona-me várias vezes durante o dia para saber onde estou e o que estou a fazer. Ele amua se eu não estou de acordo com os seus planos ou se expresso uma opinião diferente. Ele mostra-me as fotografias das suas antigas namoradas e relata pormenores das relações. Zanga-se comigo ou fica irritado por motivos alheios às minhas intenções. Parece não querer escutar os meus argumentos nem valida os meus sentimentos. Faz-me frequentemente sentir culpada!…” (relato ficcionado baseado em relatos reais)
Quando falamos em abuso numa relação tendemos a imaginar situações de agressividade óbvia como insultar a pessoa, agredir alguém fisicamente, rebaixar ou humilhar o parceiro(a), ameaçar ou fazer chantagem emocional.
Contudo, os comportamentos abusivos numa relação podem tomar formas subtis que, de uma maneira velada, mas persistente, acabam por causar danos psicológicos tão ou mais destrutivos que a agressividade explícita.
As situações de abuso estão sempre relacionadas com a dinâmica entre poder pessoal e poder sobre o outro. Numa relação saudável o poder está equilibrado, existe reciprocidade, respeito pelas opiniões do outro, empatia e partilha nas decisões e tarefas da conjugalidade. Na relação abusiva, uma das pessoas tenta controlar a outra com vista a sentir maior poder pessoal e segurança interna em relação a si como à própria relação.
O reconhecimento das formas de abuso mais subtis torna-se mais difícil por se confundir muitas vezes com padrões culturais socialmente aceites, herdeiros da ideia da relação como forma de posse sobre o outro, cuja dinâmica é privada e como tal está protegida do exterior. Uma cena de ciúmes ainda é vista como prova de amor, mesmo que dela resulte a imposição de condições ao comportamento do outro e a limitação da sua vontade ou liberdades pessoais.
Por outro lado, com o tempo, a pessoa abusada tende a adaptar-se ao comportamento abusivo do parceiro(a) e a aceitá-lo como condição para permanecer na relação. As tentativas logradas de se fazer ouvir dão lugar a cedências ao outro e à instalação de dúvidas sobre os nossos actos e intenções, o que resulta numa forma de diminuição de poder pessoal, alteração da percepção do abuso e consequente esvaziamento emocional.
São vários os sintomas de abuso pouco perceptível numa abordagem mais superficial:
— Uma das pessoas fica frequentemente irritada ou zangada com o parceiro(a). Perante a reacção surpreendida do parceiro, nega que está zangado e faz o outro sentir-se culpado do sucedido.
— Quando a pessoa abusada tenta expressar os seus sentimentos, o abusador recusa-se a valida-los e até a conversar sobre a situação criando no primeiro uma sensação de impotência.
— A pessoa abusada sente-se frequentemente perplexa ou frustrada com as respostas do abusador, não consegue fazê-lo compreender as suas intenções.
Muitas vezes, a pessoa abusada sente-se frustrada não tanto pela forma como a relação decorre mas mais pela manipulação que o parceiro(a) faz da realidade levando-a a sentir-se culpada. Por vezes questiona-se se há algo de errado consigo ou se deveria sentir-se tão mal. O abusador raramente partilha os seus pensamentos e sentimentos com o parceiro(a), parece ter uma posição oposta nos mais diferentes assuntos, fazendo prevalecer a ideia de que ele está certo e o outro errado. Por vezes a pessoa abusada questiona-se se o outro a vê como alguém com vontade e existência separados.
Quando alguém faz exigências pouco razoáveis como a dedicação de todo o tempo livre ao outro ou uma atenção constante às suas necessidades diárias em que nunca se expressa reconhecimento ou satisfação, estamos perante uma forma de abuso emocional.
A critica e a negação das necessidades do outro são formas de controlar a relação tão graves como controlar as acções e movimentos de alguém. O abusador tende com frequência a distorcer e atacar a percepção da realidade do parceiro(a). Expressões como “Tu és tão sensível, não deverias ter ficado magoado, que reacção tão exagerada!…” desvalorizam e minimizam a resposta afectiva do outro e são destrutivas da intimidade.
Com frequência o abuso verbal e emocional conduzem a situações de violência doméstica. Facilmente o abusador exalta-se e perde o controle sobre os seus impulsos passando ao insulto, à agressão física ou à humilhação em público. Nestas situações, o agressor justifica o seu comportamento imputando culpa à vítima.
A intensidade da angustia da vítima é normalmente determinada pela extensão e intensidade do abuso. Qualquer tipo de abuso é contrario à comunicação saudável, à intimidade e à valorização e crescimento da pessoa. O reconhecimento do abuso é doloroso e implica a perda das ilusões e expectativas que motivaram a relação. Contudo, por mais difícil que seja, o reconhecimento do abuso permite restaurar a integridade física e emocional da pessoa abusada e recuperar o seu direito a ser amado e respeitado com dignidade.
“Contudo, por mais difícil que seja, o reconhecimento do abuso permite restaurar a integridade física e emocional da pessoa abusada e recuperar o seu direito a ser amado e respeitado com dignidade.” – já li e riz perguntas noutro tópico seu (co-dependência, amor ou maldição?) e continuo a tentar entender (um dos meus grandes defeitos é que pareço estar ainda na idade dos “porquês”) o que me atingiu: quais as motivações do “abusador”? por que me mantive naquela relação? por que quero voltar à relação (cada vez menos, felizmente)? E a tristeza pelo que poderia ser e não foi…por tão pouco!
Cara Patrícia as suas perguntas são pertinentes e seriam matéria para explorar num processo psicoterapêutico devido à complexidade dos motivos que levam as pessoas a envolver-se em relações de abuso e a terem dificuldade em romperem com o abusador ou em aceitarem que este normalmente não tem condições para mudar. Quando a pessoa reconhece que a outra a manipula e claramente lhe faz mal já terá dado um passo decisivo para poder afastar-se totalmente da pessoa não deixando qualquer espaço para um eventual contacto. Condição absolutamente necessária para preservar a sua integridade física e psicológica. Os agressores na relação normalmente nunca mudam o seu padrão interpessoal e são extremamente destrutivos para o outro. O problema reside na vinculação afectiva que entretanto se desenvolveu na relação e o papel que a vítima desempenhou neste processo em que fica cada vez mais vulnerável às investidas sedutoras e agressivas do abusador. As razões que levam à dificuldade em romper a relação estão normalmente relacionadas com a sua história de desenvolvimento e por isso precisam de ser abordadas num processo psicoterpêutico para que possa tomar consciência destas e prevenir relações semelhantes no futuro.
Acabei há pouco tempo uma relação que cosnidero abusiva. Foi assim praticamente desde o início. Até me dar conta disso achava que a culpa era minha. Que eu é que não estava a dedicar-me o suficiente. Não percebo o porquê de ele me tratar assim, não entendo a intenção, mas destruiu-me completamente. Não tenho auto-estima e não me consigo erguer. A verdade é que não me consigo desligar dessa pessoa. Não estou bem com ela, mas sem ela é um sufoco diário.
Rita aconselho-a a procurar ajuda psicoterapêutica para recuperar duma relação dessa natureza e poder evitar cenários semelhantes no futuro.
Acredita ser possivel uma recuperação? Eu estou um pouco receosa que haja uma recuperação. E a haver que não deixe marcas de tal formas profundas que não consiga relacionar-me mais a nivel afectivo com outra pessoa.
Claro que a recuperação é possível mas exige investimento pessoal na terapia, vontade de mudança bem como o corte radical com a pessoa abusadora. Não é tarefa fácil como poderá deduzir se procurar informação sobre os cenários de violência doméstica e abuso nas relações, mas existem várias estratégias terapêuticas e de apoio social para as vítimas de abuso.
Quase 3 meses depois do fim do relacionamento começo a ver luz na minha vida. Acredita Rita…há vida depois do abuso… e é tão bom sermos nós outra vez. E não é que afinal não sou incompetente ou inútil? e que tenho amigos? Obrigada pelas suas palavras Dr. Rui. Eu estava a ser acompanhada, mas as dúvidas surgiam e eu buscava explicações para o que tinha vivido e para o que sentia. Agora estou melhor e recomendo :).
Estou actualmente numa relação cujos contornos são muitas vezes abusivos. Sofro por ciumes excessivos do meu namorado. Os cenários que ele cria na sua imaginação originam sempre discussões acesas e muita instabilidade emocional. Ele foi no passado traído por uma namorada que lhe deixou marcas profundas na sua auto estima. No presente transfere para mim toda a insegurança e medo de ser traído novamente. Controla todos os meus passos, tudo o que eu faço e desconfia de tudo. Actualmente acredito que ele necessita de ajuda médica mas como não sei outra forma de lhe colocar o problema estou a ponderar seriamente recorrer á terapia de casal por forma a conduzi lo até á ajuda médica. O Dr. o que pensa acerca disto? Poderá a terapia de casal ajuda lo a curar se? Ou este caso poderá ser um dos casos em que não existe possibilidade de o “agressor” querer curar-se?
Cara Rosa, qualquer forma de controlo numa relação é indesejável e um obstáculo à intimidade do casal, podendo mesmo mesmo destruir a relação. Por esta razão é fundamental que o seu namorado procure ajuda psicoterapêutica. Tanto a terapia de casal como a individual o poderão ajudar a resolver o problema. Como neste momento esta questão estará a afectar ambos os elementos do casal e a dinâmica da relação, penso que a terapia de casal seria uma boa opção.
Tô perplexa, li uma reportagem em uma revista me interessei por esse assunto, namorei durante 6 anos e fiquei envolvida mais uns 4, com um cara que abusava emocionalmente de mim, nunca pensei que causasse tantos problemas na pessoa abusada!! O final foi qdo ele começou namorar outra deixando de me procurar, pq várias vezes estavamos terminados e ficavamos juntos, hoje sou casada, mas não dou ao meu marido toda atenção q ele precisa e merece, sinto q o meu grande amor é o anterior que sempre me trouxe muito sofrimento, fico tentando entender, pq não tiro ele da cabeça, se eu só sofria, se estava com ele não gostava de estar e se estava longe queria estar perto. Sexualmente sempre nos davamos muito bem, nunca mais senti prazer com outra pessoa!!! Sinto raiva qdo meu marido demonstra desejo por mim. Como posso melhorar??
Andréia a atracção por uma pessoa que nos faz mal tem normalmente origem na história de desenvolvimento do próprio e deverá ser abordada num contexto psicoterapêutico, pois trata-se de identificar aspectos relacionais muito sensíveis que tiveram um impacto significativo na formação da estrutura psicológica da pessoa e no forma como se projecta na relação com os outros. A atracção por uma pessoa que nos maltrata muitas vezes indicia o desejo de conquistar alguém que nos fez/faz mal e tem por isso motivações inconscientes difíceis de compreender. Deriva duma necessidade de reparação do eu mas que acaba normalmente por repetir o abuso e deixar a pessoa com a auto-estima cada vez mais danificada. procure valorizar as pessoas que gostam de si como o seu marido pois essa será uma forma também de valorizar-se a si própria mas o melhor é mesmo recorrer a ajuda psicoterapêutica.
Olá Rui,
No meu caso vivo uma relação em que me sinto completamente presa, como se fosse uma obrigação. Acho que é abusiva, porque ele exige tudo de mim e faz com que pareça que não é exigência. Pede-me dinheiro emprestado e nunca mais fala sobre o assunto, está constantemente a fazer com que os favores que lhe faço sejam cada vez mais e quando peço um pouco de dedicação, alguma prova de amor, há sempre chatice, faz-se de vítima e a culpa é sempre minha… porque sou exagerada, não tenho de ter dúvidas dele etc… O pior é que faz as coisas de uma forma tão subtil que quando me apercebo já estou a fazer mais uma coisa e depois não consigo dizer que não. Reconheço que me está a destruir, que me faz sentir muito inferior a ele, quando nem sequer consigo encontrar uma qualidade naquela pessoa. É mentiroso, altruísta, egoísta, manipulador mas acha-se a melhor pessoa do mundo incapaz de fazer mal a ninguém. Se vejo isto tudo, porque não consigo sair disto? Estou tão cansada.
Boa tarde Rui,
Acho que estou num relacionamento abusivo, por mais que tente acabar esta relaçao, nao consigo… o meu peito aperta e sangra so de pensar nisso.
ja tentei diversas vezes afstar-me dele, mas cada vez q o faço nao consigo e volto atras. Humilho-me, sujeito-me a tudo, justifico td. Ele nao me da nada, ignora-me e mesmo assim eu nao consigo deixar as coisas morrerem de vez. Em vez disso suplico atençao. Nunca fui assim em nenhum relacionamento, sempre consegui resolver as coisas. Com ele sinto-me o ser mais minusculo que existe. Tenho medo de me estar a autodestruir, a destruir o meu amor proprio, que tanto me custou a conquistar.
Faço constantemente a pergunta do porque que continuo assim agarrada a nada, mas nao consigo deixar o nada.
Estou cansada…de nao conseguir controlar as minhas reacçoes.