A intimidade parece ser algo evidente e intrínseco à relação de maior proximidade. Contudo é frequente observar a dificuldade das pessoas com a proximidade emocional. Alguns casais podem estar juntos durante anos com pouca ou nenhuma intimidade ou mesmo proximidade. Embora a intimidade implique proximidade, estes dois conceitos são diferentes.
A dificuldade com a proximidade está relacionada com o aparente conflito entre duas forças vitais inerentes à estrutura psicológica do indivíduo: a persecução da individualidade/ identidade próprias e a necessidade de proximidade com o outro e consequente sentimento de pertença ao grupo.
Para algumas pessoas a proximidade com o outro parece pôr em risco a sua individualidade. O receio de serem controlados pelo outro, anulados na relação ou mesmo sintomas mais arcaicos como o medo de serem engolidos ou abandonados pelo outro (medo da morte) levam estas pessoas a sabotar as relações ou a procurarem constantemente defenderem-se de maior proximidade mesmo quando estão em relação.
A capacidade para estarmos próximos de alguém está directamente relacionada com a diferenciação do indivíduo. Este conceito foi desenvolvido pelo teórico de terapia familiar Murray Bowen e posteriormente actualizado na perspectiva da relação entre intimidade e sexualidade por David Schnarch. A diferenciação implica a capacidade para separar os sentimentos dos pensamentos e agir de acordo com um equilíbrio entre o que sentimos e o que objectivamente pensamos sobre a nossa realidade e a dos outros.
A diferenciação entre o que sentimos e pensamos resulta da forma como nos diferenciamos da nossa família de origem e reflecte-se na forma como nos interrelacionamos. Os indivíduos cujas famílias não estimularam a autonomia emocional e pensamento próprio possuem menor diferenciação e tendem a estar em relações de fusão e dependência. São as pessoas que têm dificuldade em emitir opiniões próprias, a confundir o que pensam com o que sentem, a agir em conformidade com os outros ou a assumir uma pseudo-independência agindo em contra-corrente. Os indivíduos diferenciados são os capazes de emitir opiniões próprias, separar o que sentem do que pensam, tolerar a sua ansiedade porque conseguem reflectir sobre ela. Estas são as pessoas que podem estar próximas das outras sem recear perder a sua individualidade. São as pessoas que não se sentem alienadas ou zangadas se o outro não concorda com elas tal como não sentem receio de contacto e consenso com o outro.
Nas famílias pouco diferenciadas o pai senta-se sempre na mesma cadeira à mesa para ser reconhecido enquanto figura de autoridade. A sua identidade está dependente da relação que os outros lhe auferem. Nas relações pouco diferenciadas cada um é suposto ter um lugar que define o seu papel e a sua identidade. Na família tradicional portuguesa, o homem era suposto sustentar a família e essa condição (entre outras) permitia-lhe ter mais poder em relação à mulher que se acomodava ao papel de mãe e dona de casa. Esta relação de poder tornava o homem frequentemente mais distante da mulher que procurava poder e compensação afectiva na protecção e controlo dos filhos e na influência indirecta nas decisões do marido.
Nesta situação todos os membros da família se definiam e tentavam validar-se através da relação ficando reféns da resposta dos outros membros. A intimidade fica neste caso comprometida porque cada pessoa fica dependente de como o outro reage o que se torna particularmente difícil em momentos de tensão.
Os casais por vezes moldam-se um ao outro para poder reduzir a ansiedade e manter as suas identidades estáveis. Nestas relações de fusão emocional quando uma das partes se torna mais forte a outra sente-se dominada ou controlada. Secretamente desejamos que a outra pessoa seja tão insegura como nós para nos sentirmos mais seguros acabando por cair numa competição velada com o parceiro(a). Quando estamos dependentes do outro acabamos por omitir ou recriar aspectos de nós próprios para podermos ter a aceitação do outro.
A intimidade é por vezes confundida com aceitação, validação e reciprocidade por parte do outro porque são estas funções que as pessoas procuram quando decidem revelar informação pessoal pertinente. Intimidade não é a mesma coisa que proximidade, vinculação afectiva ou cuidado do outro, embora estes factores possam e devam estar presentes na relação. Intimidade envolve a consciência de que eu sou separado do outro com partes que podem ser partilhadas.
A intimidade aprofunda-se quando somos capazes de nos auto-validar e como tal não recear discutir as nossas ideias com o outro ou revelarmos os aspectos mais vulneráveis de nós próprios. A intimidade implica também a noção que existe um equilíbrio de poder na relação com o parceiro(a). Este equilíbrio acontece por não nos sentirmos ameaçados pelo outro mesmo quando não partilhamos das mesmas ideias ou sentimentos. As famílias portuguesas têm evoluído neste sentido embora ainda procurem a validação através do outro, herdada do modelo tradicional.
Por outro lado este equilíbrio permite uma maior abertura na medida em que eu posso transformar aquilo que eu sou e aquilo que eu penso apreendendo a opinião do outro. O que eu quero para mim passa a incluir o que o outro quer para si.
Muitos terapeutas prescrevem a comunicação funcional para melhorar a intimidade do casal. Mas a comunicação pode acontecer sem existir intimidade. A comunicação existe nos silêncios do casal, na expectativa que o outro tem de nós quando decide já não nos ouvir, ou sequer falar. Intimidade implica a revelação de informação pessoal sem receio da resposta do outro. Muitas vezes a intimidade desenvolve-se através da confrontação de posições, da negociação da relação, da auto-validação de cada indivíduo através da revelação unilateral dos seus pensamentos e sentimentos. Segundo Scharnch, a intimidade é um processo em que simultaneamente nos confrontamos connosco mesmos enquanto nos revelamos ao outro.
Nas famílias e nos casais pouco diferenciados quando uma pessoa fica ansiosa a(s) outra(s) também ficam. A ansiedade torna-se contagiosa e difícil de tolerar dando por vezes origem a situações de agressividade e abuso nas relações. As pessoas diferenciadas podem modular os seus pensamentos e sentimentos e tolerar melhor a sua ansiedade, deixando prevalecer o julgamento. A capacidade para tolerar a própria ansiedade sem se sentir em risco perante o outro acaba por alargar o campo da intimidade e da possibilidade de poder aceitar e amar o outro tanto como amar-se a si mesmo.
Muita boa observação
Excelente!!! Parabéns, conseguiu passar informações valiosas sem deixar de ser claro e acessível a pessoas comuns.
Obrigado Aline.